Luis Pásara*
Lava Jato foi o caso que levou Luis Inácio Lula da Silva à prisão e que o impediu de disputar novamente a presidência do Brasil numas eleições em que era favorito. Sua inabilitação abriu caminho ao triunfo do atual presidente Jair Bolsonaro, quem, após ser eleito, nomeou como Ministro da Justiça o juiz Sergio Moro, responsável pelo processo onde se condenou o ex presidente. Em 9 de junho uma reportagem jornalística de investigação do The Intercept denunciou sérias irregularidades no caso. Indica-se como fonte da reportagem documentos que incluem comunicações privadas, entregues por uma fonte anônima.
A reportagem põe em xeque o papel do então Juiz Sergio Moro, quem, tendo alegado em várias ocasiões sua condição de apolítico, investigou e argumentou pela culpabilidade de Lula. A documentação interceptada revela conversações dos procuradores nas quais comentam, sem receio, a intenção de evitar o triunfo do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula nas eleições, além do conluio do juiz Moro com procuradores para responsabilizar a Lula, apesar das dúvidas que manifestam acerca das evidências utilizadas na acusação. É significativo que, tanto a resposta imediata da equipe de procuradores, como do próprio Ministro Moro, não nega a autenticidade dos fatos revelados, lançando mão do velho argumento “fora de contexto”.
Diversas conversas e chats entre os procuradores, “hackeadas” através de seus telefones celulares, mostram o propósito político de suas ações ao longo do processo que explicitamente buscou evitar que o PT voltasse a ganhar as eleições. Em várias conversas, os procuradores do caso mostram sua preocupação pela insuficiência das provas disponíveis para culpabilizar Lula. Particularmente, nos chats de um grupo de procuradores aparecem dúvidas sobre as evidências sobre a mais conhecida acusação no processo onde condenou-se o ex presidente: ter recebido um apartamento tríplex de uma empreiteira em contrapartida pela mediação de contratos multimilionários com a Petrobrás. Quatro dias antes de apresentar a acusação, o coordenador do grupo de procuradores do caso Lava Jato, Deltan Dallagnol, manifesta dúvidas sobre se o apartamento era realmente de Lula – com o qual finalmente se apresentou como prova um artigo publicado em um jornal – e se havia uma conexão com a petroleira estatal.
Auxiliando os procuradores aparece o juiz do caso, Sergio Moro. Nas conversações “hackeadas”, Dallagnol e Moro trocam critérios para “construir” melhor o caso para responsabilizar Lula. De acordo com a lei brasileira, desde que a Constituição de 1988 incorporou características próprias de um sistema acusatório, o juiz é um terceiro no processo no qual se enfrentam promotores ou procuradores e os advogados defensores do réu. No entanto, na fase de investigação conduzida ao longo dos anos, Moro assessorou Dallagnol acerca de como investigar o caso, avisou o Procurador sobre decisões que iria adotar e fez críticas a documentos preparados pelos procuradores, para que melhorassem sua atuação. Num momento dado, inclusive informou os procuradores sobre uma pessoa que poderia facilitar uma prova contra Lula. Nas conversas reveladas, Moro aparece como parte da equipe de procuradores, apesar de ter negado publicamente ser um juiz-investigador no caso.
Lula foi condenado em julho de 2017 a nove anos e seis meses de prisão, pena que o Tribunal Regional Federal aumentou para 12 anos, mas a conduta de Moro que aparece nas revelações do The Intercept mancha de nulidade o processamento do ex presidente. O assunto pode ir mais longe para Moro, quem, em maio deste ano, o presidente Bolsonaro reconheceu publicamente ter prometido uma cadeira no Supremo Tribunal Federal: “a primeira vaga aberta na Corte é sua.”
Se o caso Lava Jato foi um grande escândalo de corrupção que estremeceu o cenário político de vários países, as revelações sobre as irregularidades no processamento de Lula constituem um escândalo enorme de utilização da via judicial com propósitos políticos por juízes e procuradores.
*Senior Fellow, DPLF
Foto: Luiz Inácio Lula da Silva, Wikimedia Commons; Sergio Moro, Wikimedia Commons